terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Natureza normas conflito

Capítulo I – Natureza do Direito de Conflitos

● Órgãos de aplicação do Direito de Conflitos

A) Em geral

São órgãos de aplicação do Direito de Conflitos as entidades que no exercício de funções jurisdicionais ou administrativas aplicam o Direito de Conflitos.
São órgãos supraestaduais quando relevam da ordem jurídica internacional ou da ordem jurídica comunitária. São órgãos estaduais quando relevam das ordens jurídicas estaduais. São órgãos transnacionais quando nem relevam de uma ordem supraestadual nem se fundamentam numa particular ordem jurídica estadual.
Em regra, os órgãos de aplicação são estaduais e transnacionais. Os supraestaduais são ainda a excepção.
Quanto aos órgãos estaduais vamos apenas tratar dos que relevam da ordem jurídica portuguesa. Trata-se, por isso, de órgãos nacionais.

B) Órgãos nacionais

Os órgãos nacionais são, no quadro da ordem jurídica portuguesa jurisdicionais ou administrativos.
São órgãos jurisdicionais os tribunais estaduais e, eventualmente, os tribunais arbitrais regulados pela Lei portuguesa da arbitragem voluntária.
São órgãos administrativos:
- os conservadores
- os notários
- os agentes diplomáticos e consulares no exercício de funções de conservadores e notários
- os comandantes de unidades militares, navios e aeronaves no exercício de funções de conservadores e notários.

C) Os órgãos transnacionais

São órgãos transnacionais os tribunais da arbitragem comercial internacional. Já sabemos que a arbitragem comercial internacional é o modo normal de resolução de diferendos no comércio internacional.
A arbitragem diz-se ad hoc quando se trata de um procedimento arbitral inteiramente estabelecido para o caso concreto.
A arbitragem diz-se institucionalizada quando é organizada por centros permanentes, por exemplo, os centros de arbitragem que funcionam junto das associações comerciais.
Perante a Constituição portuguesa, os tribunais arbitrais são elementos do sistem jurisdicional (art. 209º CRP).
Os tribunais da arbitragem comercial internacional são órgãos transnacionais. Desta posição peculiar decorre designadamente que os tribunais da arbitragem comercial internacional não estão submetidos a um particular sistema nacional de DIP.

D) Órgãos supraestaduais

O DIP, embora seja principalmente aplicado por órgãos estaduais e por tribunais arbitrais que não relevam do Direito Internacional Público, também o é por órgãos supraestaduais.
È o que se verifica ou pode verificar-se com as jurisdições internacionais, quási-internacionais e comunitárias.
Estas jurisdições podem ser órgãos de aplicação do DIP em dois tipos de situações:
- quando na aplicação de normas de Direito Internacional e de Direito Comunitário se suscitam questões prévias que não são reguladas na esfera da ordem jurídica internacional ou da ordem jurídica comunitária (geralmente questões de carácter privado ou misto);
- Quando esses órgãos tenham competência para apreciar, a título principal, questão relativas a situações que por não serem necessariamente conformadas pelo Direito Internacional Público ou pelo Direito Comunitário colocam um problema de determinação do Direito aplicável.

Começando pelas jurisdições internacionais, temos em primeiro lugar o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) que é um órgão de contencioso interestadual.
Já sabemos que só os Estados podem ser partes nas causas submetidas a este tribunal. A questão principal diz necessariamente respeito à violação de uma norma de Direito Internacional Público.
Quando tenha de resolver um problema de determinação do Direito aplicável o TIJ actua como órgão de criação e aplicação do Direito de Conflitos.
Dentro da arbitragem que releva do Direito Internacional Público, importa distinguir a arbitragem internacional pública stricto sensu da arbitragem quási-internacional pública.
À semelhança do TIJ, a arbitragem de Direito Internacional Público ocupa-se de litígios interestaduais em que se invoca a violação de Direito Internacional Público. Pode ser ad hoc ou institucionalizado.
Na prática, só os tribunais da arbitragem quási-internacional pública têm efectivamente actuado como órgãos importantes de aplicação do DIP.
Passe-se aos tribunais comunitários. O Tribunal de Justiça das Comunidades (TCE) destina-se sobretudo a assegurar o respeito do Direito Comunitário na interpretação e aplicação dos tratados.
No exercício destas competências os tribunais comunitários podem ter de apreciar situações transnacionais que são suscitadas a título prejudicial pela aplicação do Direito Comunitário. É o que se verifica, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, com as questões prévias relativas aos estado das pessoas e a relações de família suscitadas pelas normas de Direito Comunitário que atribuem certos direitos e vantagens aos referidos agentes.
Mas o TCE também tem outras competências, e entre estas encontram-se casos em que o TCE pode ter de apreciar questões privadas internacionais a título principal.
A esta responsabilidade internacional o tribunal aplica Direito Internacional, em primeiro lugar a própria convenção, resolvendo os seus problemas de interpretação e integração segundo os critérios próprios do Direito Internacional.

● Fontes do Direito de Conflitos

A) Fontes Internacionais

A “moderna escola nacionalista italiana”, em que se salienta Ago, sustentou que o DIP seria sempre Direito interno.
E as convenções internacionais de unificação do Direito de Conflitos não conteriam em rigor normas de conflitos mas apenas a obrigação de os Estados introduzirem na ordem interna certas normas de conflitos.
Esta concepção encontra-se hoje superada. O DIP não tem necessariamente carácter nacional, seja quanto às suas fontes seja, quanto aos órgãos de aplicação. É certo que o Direito de Conflitos ainda é principalmente de fonte interna. Mas nada obsta à vigência de normas de conflitos de fonte internacional quer na ordem jurídica internacional quer na ordem jurídica interna.
O Direito de Conflitos de fonte internacional pode actuar em dois planos: no plano da ordem jurídica internacional e no plano da ordem jurídica estadual.
Este Direito de Conflitos de fonte internacional opera ao nível da ordem jurídica internacional.
De entre estas fontes supraestaduais de Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica interna sobressaem as convenções internacionais. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português (art. 8º/2 CRP).
Estas convenções internacionais destinam-se a unificar as normas de conflitos que vigoram na ordem jurídica dos Estados contratantes. Por isso se fala, a este respeito, de Direito de Conflitos unificado. O Direito de Conflitos unificado é um Direito de Conflitos de fonte internacional que opera no plano da ordem jurídica estadual.
Comece-se por examinar as fontes do Direito Internacional de Conflitos. A fonte mais importante são os tratados internacionais que instituem ou enquadram jurisdições internacionais ou quási – internacionais.
O tratado multilateral mais importante, enquanto fonte de Direito Internacional de Conflitos, é a Convenção de Washington para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados (1965), conhecida por Convenção CIRDI.
A jurisprudência internacional ou quási-internacional também é fonte de Direito Internacional de Conflitos, quer formule as suas próprias normas de conflitos ou se circunscreva ao aperfeiçoamento e desenvolvimento das normas de conflitos contidas em tratados internacionais.
Passe-se agora às fontes internacionais do Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica interna.
A primeira questão a examinar é a de saber até que ponto o costume internacional é fonte de Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica interna.
È de admitir que o costume internacional é fonte, posto que de alcance limitado, do DIP que opera no plano da ordem jurídica estadual.
Os tratados internacionais são a principal fonte internacional de Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica interna.
Podem ser multilaterais ou bilaterais. Quanto aos tratados multilaterais, temos em primeiro lugar os que unificam o Direito de Conflitos.
São de referir:
i) as Convenções de Genebra destinadas a regular certos conflitos de leis em matéria de Letras e Livranças (1930) e Cheques (1931);
ii) as Convenções emanadas da Conferência de Haia desde 1902.

A jurisprudência internacional é como ficou atrás assinalado fonte de Direito Internacional de Conflitos. Mas as soluções desenvolvidas pela jurisprudência internacional dirigem-se em primeira linha aos órgãos internacionais e não aos órgãos estaduais. Parece que só indirectamente, mediante a formação de costuma jurisprudencial, a jurisprudência internacional pode ser fonte de Direito de Conflitos que opere na ordem jurídica interna.
Vimos que os princípios comuns aos sistemas nacionais podem ser fonte de Direito Internacional de Conflitos. Também tendem a desempenhar algum papel como fonte de DIP da arbitragem comercial internacional, designadamente quanto á conformação de uma ordem pública transnacional. Já não são fonte de Direito de Conflitos aplicável a situações que só relevam na ordem jurídica estadual.

B) Fontes Comunitárias

Os tratados instituintes e o Direito derivado emanado dos órgãos comunitários são fontes de normas comunitárias de DIP.
Em matéria de Direitos de Conflitos, há ainda a referir uma convenção internacional celebrada pelos Estados – Membros: a Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (1980).
Em paralelo com o que se verifica com as fontes internacionais, também o Direito de Conflitos de fonte comunitária pode operar ao nível da ordem jurídica comunitária ou das ordens jurídicas dos Estados – Membros.
È indiscutível que opera ao nível da ordem jurídica comunitária nos casos em que se trata de Direito de Conflitos aplicável pelas jurisdições comunitárias.
È o que se verifica com o Direito de Conflitos contido no Tratado de Roma.
A jurisprudência do TCE nesta matéria, relativamente escassa, confirma que, em primeiro lugar, o tribunal atende ao Direito escolhido expressa ou tacitamente pelas partes. Na falta de designação pelas partes, parece que o tribunal, entre a determinação do Direito nacional aplicável e o recurso aos princípios jurídico – materiais comuns aos Estados em contacto com a situação, tem dado preferência, nesta matéria, à primeira via, e aplicando o Direito do Estado com o qual a situação apresenta uma conexão mais estreita.
A aplicação do Direito Comunitário também suscita a título prejudicial a apreciação de situações que relevam da ordem jurídica estadual, designadamente as questões prévias relativas ao estado das pessoas e relações familiares que se colocam nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes.
Temos que nos termos do art. 61º/al. c) e 65º do Tratado de Roma, o Conselho adoptará medidas de domínio da cooperação judiciária em matéria civil, “na medida do necessário ao bem funcionamento do mercado interno”. Estas medidas terão por objectivo, nomeadamente o que se encontra previsto no art. 65º.
Com isto a Comunidade Europeia passa a ter competência legislativa genérica em matéria de DIP, incluindo o “Direito Processual Civil Internacional”.
Resultaram os seguintes regulamentos em matéria de DIP:
- Reg. (CE) nº 1346/2000 de 29/5 relativo aos processos de insolvência;
- Reg. (CE) nº 1347/2000 de 29/5 relativo á competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal.

C) Fontes transnacionais

As fontes transnacionais são processos específicos de criação de proposições jurídicas que são independentes quer das ordens jurídicas estaduais quer da ordem jurídica internacional, tal como ela é geralmente concebida.
Estas fontes são fundamentalmente o costume comercial internacional e a produção normativa de centros autónomos, tais como as associações de comércio internacional, quer de âmbito genérico, quer atinentes a determinado sector da actividade económica.

D) Fontes internas

As fontes internas a considerar são a lei, o costume, a jurisprudência e a ciência jurídica.
Quanto à lei como fonte de DIP temos em primeiro lugar a Constituição. Na lei ordinária a fonte principal de Direito de Conflitos é o Código Civil, designadamente o Cap. III do Título I do Livro I.
No Código Comercial devem considerar-se em vigor as normas contidas nos arts. 4º/2, 6º, 7º, 12º, 110º (eventualmente na parte relativa à nacionalidade das sociedades), 255º, 488º (no que concerne á sucessão de estatutos), 606º, 650º, 674º e 690º.
No Código de Registo Civil os arts 1º, 6º, 152º e 161º e seguintes, 178º e 184º e ss.
O costume era importante antes do Código Civil de 1966 porque até ai o Direito de Conflitos português de fonte legal era fragmentário.
Perante um sistema de Direito de Conflitos codificado, como o português, o costume pode ainda ter algum relevo, posto que limitado, no desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema. Mas trata-se hoje fundamentalmente de costume jurisprudencial, que se forma com base numa jurisprudência uniforme constante.
A jurisprudência é a fonte importante, e até a fonte principal de DIP, não só nos sistemas em que vigora o precedent law, mas também noutros quadrantes em que o Direito de Conflitos não se encontra codificado.
A ciência jurídica tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento do DIP.

● Natureza pública ou privada do Direito de Conflitos

A tese clássica sobre o objecto e a função da norma de conflitos mostra-se adversa á natureza privada do Direito de Conflitos. Uma parte das construções universalistas aponta para a inclusão do DIP no Direito Internacional Público.
A opinião dominante entende que o DIP é Direito privado. È um Direito privado especial regulador das situações transnacionais.
Neste sentido invoca-se, em primeiro lugar, que a função do DIP é regular situações privadas internacionais.
Em segundo lugar, faz-se valer que o complexo de fins subjacentes ao DIP se identifica ou até está intimamente relacionado com os fins prosseguidos pelo Direito material privado.
Por último refere-se uma certa afinidade entre os problemas de regulação do DIP e os institutos de Direito material com que opera.
Creio que a posição mais ajustada às características actuais e ás tendências de desenvolvimento do DIP é a de o considerar predominantemente de Direito privado, sem excluir que possam surgir certas áreas especializadas que se apresentam na transição entre Direito público e Direito privado.

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