terça-feira, 4 de janeiro de 2011

elemento de conexão

● Princípios gerais de interpretação e aplicação

A) Generalidades

Por razões pedagógicas importa distinguir dois momentos na interpretação e aplicação do elemento de conexão: a interpretação e a concretização.
Na interpretação trata-se da determinação do conteúdo do conceito que designa o elemento de conexão. Por exemplo, o que se deve entender por nacionalidade enquanto elemento de conexão.
A concretização diz respeito à determinação do laço em que se traduz o elemento de conexão. Por exemplo, qual o estado de que António é nacional.

B) Interpretação

Foi atrás assinalado que, do ponto de vista da interpretação, há uma diferença relativa entre os conceitos técnico – jurídicos e os conceitos fácticos.
Foi atrás sublinhado que a norma de conflitos deve ser interpretada no contexto do sistema a que pertence, mas também com autonomia relativamente ao Direito vigente neste sistema.

C) Concretização

1) Problemas de concretização. Na concretização do elemento de conexão surgem duas ordens de problemas. A primeira diz respeito aos casos de conteúdo múltiplo e de falta de conteúdo. A segunda à concretização no tempo do elemento de conexão.

2) Conteúdo múltiplo e falta de conteúdo. Há um problema de conteúdo quando no caso concreto há vários laços, que se estabelecem com diferentes Estados, reconduzíveis ao mesmo conceito designativo. Por exemplo, quando uma pessoa tem dupla nacionalidade.
Na hipótese inversa, de falta de conteúdo, não existe no caso concreto o laço designativo. Por exemplo, quando uma pessoa é apátrida.
Vejamos quais os critérios de resolução destes problemas.
O problema do conteúdo múltiplo pode ser resolvido por uma norma especial. É o que se verifica com a nacionalidade. Os arts. 27º e 28º da Lei da Nacionalidade estabelecem critérios de resolução dos concursos de nacionalidades.
Nos termos do art. 27º se uma das nacionalidades for a portuguesa é esta que prevalece.
Por força do art. 28º, em caso de concurso de duas ou mais nacionalidades estrangeiras releva apenas a nacionalidade do Estado em cujo território o plurinacional tenha a sua residência habitual. Se não tiver residência habitual num dos Estados de que é nacional, releva a nacionalidade do estado com que mantenha a vinculação mais estreita.
Manifesta-se aqui o princípio da nacionalidade efectiva.
Levanta-se a questão de saber se o art. 28º também se aplica quando uma das nacionalidades estrangeiras for a de um Estado comunitário. No Ac. Micheletti, o TCE (7/7/ 92) entendeu que para efeitos de direito de estabelecimento a nacionalidade relevante é sempre a do Estado comunitário. Valerá isto para outros efeitos, designadamente para a aplicação das normas de Conflitos? Marques dos Santos entende que sim. Este entendimento parece de seguir.
Passe-se agora ao problema da falta de conteúdo. Quando se conclui pela falta de conteúdo concreto do elemento de conexão há que atender, em primeiro lugar, à norma especial que resolve o problema.
Assim, o art. 32º/1, 1ª parte CC determina que a lei pessoal do apátrida é a do lugar onde tiver a residência habitual. E se o apátrida não tiver residência habitual? O nº2 do mesmo artigo resolve o problema, remetendo para o nº 2 do art. 82º CC. De onde decorre que releva a residência ocasional e, se esta faltar, até o simples paradeiro.
Não havendo norma especial que resolva o problema há que atender ao critério geral estabelecido pelo art. 23º/2, 2º parte CC, que manda recorrer à lei que for subsidiariamente competente. Na falta de conexão subsidiária resta o recurso ao Direito material do foro, por aplicação analógica do disposto no art. 348º/3 CC.
Hipótese algo diversa, que se pode configurar, é a de o conteúdo concreto do elemento de conexão ser incerto. Por exemplo, não se consegue apurar ao certo se um indivíduo tem ou não a nacionalidade de determinado Estado. Se for possível determinar que o indivíduo tem a nacionalidade de outro Estado, deverá aplicar-se a lei deste Estado. Caso contrário, entendo que são aplicáveis as soluções que foram expostas para o caso de falta de conteúdo concreto do elemento de conexão.

3) Concretização no tempo. O problema da concretização no tempo é colocado pelos elementos de conexão móveis que são, como já foi assinalado, aqueles cujo conteúdo concreto é susceptível de ser alterado no tempo.
Com a alteração do conteúdo concreto do elemento de conexão surge uma sucessão de estatutos ou conflitos móvel.
Em matéria de sucessão de estatutos há duas teses fundamentais. Para uma primeira tese há analogia entre a sucessão de estatutos e o conflito de leis no tempo e, por conseguinte, são aplicáveis analogicamente as regras gerais do Direito Intertemporal.
Para outros autores não é possível formular regras gerais em matéria de sucessão de estatutos. Para a solução dos problemas de sucessão de estatutos deve recorrer-se a uma interpretação da norma de conflitos que suscita o problema.
A sucessão de estatutos não se confunde com a sucessão de leis no tempo.
Na sucessão de leis no tempo temos a substituição de uma lei por outra lei dentro da mesma ordem jurídica. A vigência da lei antiga é condicionada pela entrada em vigor da lei nova.
Na sucessão de estatutos estamos na presença de duas ordens jurídicas vigentes. O que muda é a situação da vida: há um “deslocamento” da situação da vida relativamente aos Estados em presença, que leva a que o laço, considerado relevante para designar o Direito aplicável, se passe a estabelecer com o Estado diferente.
Tudo sopesado, pode admitir-se uma certa analogia entre os critérios valorativos que presidem à escolha do momento relevante da conexão e os que fundamentam as soluções do Direito Intertemporal, bem como no que toca á salvaguarda da continuidade das situações jurídicas constituídas.
Mas a aplicação analógica de regras gerais de Direito Intertemporal terá como limite a compatibilidade dos resultados a que conduz com as finalidades prosseguidas pela norma de conflitos em causa e com os princípios gerais do Direito de Conflitos que ela integra.
Na resolução dos problemas de sucessão de estatutos importa distinguir dois aspectos. O primeiro aspecto é a determinação do momento relevante da conexão. Em certos casos o legislador fixou o momento relevante, quanto à constituição da filiação (art. 56º/1). O legislador também fixou o momento relevante da conexão quanto à lei reguladora da sucessão por morte (art. 62º).
O problema da sucessão de estatutos não se resume à determinação do momento relevante da conexão. Também pode ser necessário conjugar os estatutos em presença, sobretudo com respeito ás situações jurídicas constituídas.
Nesta matéria a doutrina internacional privatista tem afirmado, á face dos diferentes sistemas locais de DIP, a existência de um princípio da continuidade das situações jurídicas preexistentes.
Assim, a situação validamente constituída sob o império do estatuto anterior deve persistir em caso de mudança de estatuto, a menos que se lhe oponham razões suficientemente poderosas.

● A nacionalidade dos indivíduos, o domicílio e a residência habitual

A) A nacionalidade dos indivíduos

A nacionalidade dos indivíduos tem relevância da determinação do seu estatuto pessoal, como elemento de conexão primário nos termos do art. 31º/1 CC e, enquanto nacionalidade comum, em matéria de relações de família (por exemplo, arts 52º e 53º CC).
Fora do estatuto pessoal a nacionalidade comum releva em matéria de responsabilidade extracontratual, nos termos do art. 45º/3 CC. Nem sempre, portanto, a lei da nacionalidade é a lei pessoal.
Quanto à interpretação deste elemento de conexão, há que partir da noção geral de nacionalidade como vínculo jurídico – positivo que une uma pessoa a um Estado.
Mas este vínculo pode assumir diferentes significados.
Atendendo á função da norma de conflitos, a nacionalidade relevante para o Direito de Conflitos português é a nacionalidade do Estado soberano (seja ela a nacionalidade primária ou secundária).
Passando agora á concretização do elemento de conexão, surgem teoricamente duas possibilidades: a concretização lege fori, mediante a aplicação do Direito do foro e a concretização lege causae, mediante a aplicação do direito do estado cuja nacionalidade está em causa.
Aqui impõe-se referir o princípio, de DIPúblico geral, da liberdade dos Estados na determinação dos seus nacionais. Decorre deste princípio que a nacionalidade se tem de estabelecer segundo o Direito do Estado cuja nacionalidade está em causa. A concretização faz-se portanto, lege causae.
Resta fazer uma referência à questão prévia de DIP suscitada na determinação da nacionalidade.
Vejamos o exemplo: uma portuguesa casa com um espanhol, na forma civil, em Lisboa, durante a vigência da anterior Lei da Nacionalidade (Lei nº 2098 de 29/7/59). Por força desta lei perdia a nacionalidade portuguesa a mulher que adquirisse pelo casamento a nacionalidade estrangeira do marido. Seria este caso se o casamento fosse válido perante a ordem jurídica espanhola. Mas a lei espanhola sujeitava todos os espanhóis católicos à celebração do casamento segundo o rito católico, sob pena de irrelevância. Por conseguinte, o casamento era considerado inválido perante a ordem jurídica espanhola e ela não adquiria a nacionalidade espanhola. Continuava a ser portuguesa, apesar de à face do DIP português, por força da ordem pública internacional, o casamento ser considerado válido.

B) Domicílio

O elemento de conexão, enquanto entendido como vínculo jurídico entre uma pessoa e um lugar situado num determinado espaço territorial, tem um papel reduzido no nosso Direito de Conflitos.
Em matéria de estatuto pessoal, é a lei da residência habitual – e não a do domicilio – a conexão subsidiária geral na falta de nacionalidade.
O elemento de conexão domicílio releva em três casos:
1) para a determinação da lei pessoal do apátrida menor, enquanto domicílio legal (art. 32º/1, 2º parte CC);
2) para a determinação da lei pessoal dos refugiados políticos, nos termos do art. 12º/1 da Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados;
3) em matéria de representação voluntária, enquanto domicílio profissional (art. 39º/3 CC).

No conceito de domicílio, quando utilizado em normas de conflitos de fonte interna, devem incluir-se uma nota objectiva de permanência num determinado lugar e uma nota subjectiva de intenção de aí permanecer.
No que se refere à concretização do elemento de conexão domicílio também surge aqui a alternativa entre uma concretização lege fori e uma concretização lege causae.
Para a primeira tese o domicílio determina-se sempre segundo as regras do Direito do foro. A segunda tese manda atender á lei do Estado em cujo território se situa o domicílio em causa.
Por isso, em tese geral, deve preferir-se a concretização lege causae do elemento de conexão domicílio, designadamente em matérias de estatuto pessoal, em que a estabilidade é particularmente importante.
È a solução que deve valer para o domicílio legal utilizado no art. 32º/1 CC. O art. 85º CC só deve ser aplicado quando está em causa o domicílio legal em Portugal.
O nº5 do art. 85º determina que não “são aplicáveis as regras dos números anteriores se delas resultar que o menor ou interdito não tem domicílio em território nacional”. Este preceito pode suscitar algumas dúvidas de interpretação. Deve entender que neste caso há que recorrer ás regras aplicáveis ao domicílio das pessoas capazes (art. 82º). Logo o menor terá domicílio legal em Portugal quando for aqui residente habitualmente, mesmo que ao pais residam no estrangeiro.
Já quanto ao domicílio profissional do art. 39º/3 CC poderá admitir-se uma concretização lege fori.
Quer isto dizer que para estabelecer o domicílio profissional, em Portugal ou no estrangeiro, será aplicável o disposto no art. 83º CC.

C) Residência habitual

A residência habitual é o elemento de conexão subsidiário geral em matéria de estatuto pessoal. Encontra-se estabelecido, para os apátridas, no art. 32º/1 CC e, enquanto residência habitual comum, na falta de nacionalidade comum, nos arts 52º/2, 53º/2, 54º, 56º/2, 57º e 60/3 CC.
Observe-se que a residência habitual comum é a residência habitual no mesmo Estado soberano. È um conceito específico de Direito de Conflitos.
Este elemento de conexão também surge no já referido art. 31º/2 CC.
Fora do estatuto pessoal este elemento de conexão surge relativamente ao valor negocial de um comportamento, enquanto residência habitual comum do declarante e do destinatário, no art. 35º/2 e 3 CC; em matéria de representação voluntária, no art. 39º/2 CC; em matéria de obrigações voluntárias, no art. 42º/1 CC; em responsabilidade extracontratual, no art. 45º/3 CC.
Relativamente ao art. 53º/2 in fine CC é questionável se a “primeira residência conjugal” tem de ser uma residência habitual ou pode ser uma residência ocasional.
Em todo o caso, não vale como primeira residência conjugal a localização temporária ou mesmo acidental dos cônjuges num determinado país que aí tenham organizado a sua vida.
Por residência é de entender o centro da vida pessoal do indivíduo (independentemente de uma autorização de residência). O conceito de residência já contém uma nota de permanência. Mas a residência pode ser ocasional, caso em que há um centro de vida que, embora dotado de certa permanência, é temporário.
Um indivíduo pode ter mais de uma residência habitual, dando azo a um problema de conteúdo múltiplo. Neste caso deve relevar a residência habitual do Estado a que o indivíduo esteja mais estreitamente ligado.
Na falta de residência habitual manda-se atender no caso dos apátridas á residência ocasional (art. 32º/2 CC).

● Outros elementos de conexão

A) A sede da pessoa colectiva

Este elemento de conexão é o relevante para a determinação da lei pessoal das pessoas colectivas. Surge no art. 33º CC e no art. 3º/1, 1ª parte CSC, enquanto sede principal e efectiva da administração. Mas a sede estatutária também releva em matéria de sociedade comercial (art. 3º/1, 2ª parte CSC).

B) O lugar da celebração

O elemento de conexão lugar da celebração é utilizado, em matéria de forma do negócio jurídico, nos arts. 36º (norma geral), 50º e 51º (casamento) e 65º CC (disposições por morte). Foi também acolhido relativamente ás obrigações voluntárias no art. 42º/2.

C) A designação pelo interessado ou interessados

A designação pelas partes é o elemento de conexão primário em matéria de obrigações voluntárias, como decorre do art. 3º da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, do art. 41º CC.

D) O lugar da situação da coisa

O lugar da situação da coisa é o principal elemento de conexão em matéria de posse e direitos reais. É o que resulta do art. 46º/1 e 2 CC.
O lugar da situação da coisa também é utilizado em matéria de capacidade para constituir direitos reais sobre imóveis, e para dispor deles, nos termos do art. 47º CC.
O lugar da situação da coisa releva no domínio da representação voluntária, quando esta se refira à disposição ou administração de bens imóveis, nos termos do art. 39º/4 CC.

E) O lugar da actividade causadora do prejuízo

O lugar da actividade causadora do prejuízo é utilizado em matéria de responsabilidade extracontratual (art. 45º/1 CC), correspondendo, na formulação mais tradicional, ao lugar do delito.

F) Outros elementos de conexão

No nosso sistema de Direito de Conflitos surgem ainda outros elementos de conexão, designadamente, o lugar do comportamento negocial, quanto ao valor negocial do comportamento (art. 35º/2 CC); o lugar da recepção da proposta, quanto ao valor negocial do silêncio (art. 35º/3 CC); o lugar onde são exercidos os poderes representativos, em matéria de representação voluntária (art. 39º/1 CC); o lugar da actividade do gestor de negócios (art. 43º CC); o lugar da produção do efeito lesivo, em matéria de responsabilidade extracontratual (art. 45º/2 CC); o lugar onde a matrícula tiver sido efectuada no que se refere aos direitos sobre meios de transporte (art. 46º/3 CC).

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