terça-feira, 4 de janeiro de 2011

remissão para ordenamentos juridicos complexos

Caracterização do problema

Os ordenamentos jurídicos complexos suscitam ao DIP dois problemas:
i) Quando é que a norma de conflitos remete para o ordenamento jurídico complexo?
ii) Supondo que a norma de conflitos remete para o ordenamento jurídico complexo, como se determina, entre os vários sistemas que nele vigoram, o aplicável ao caso?

Os textos legislativos a considerar são o art. 20º CC, art. 19º/1 da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais e o art. 19º da Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação.

● Princípios gerais de solução. O regime vigente

A) Quando é que a norma de conflitos remete para o ordenamento jurídico complexo no seu conjunto?

A primeira questão que se coloca é a de saber quando é que a norma de conflitos remete para a ordem jurídica complexa no seu conjunto e quando é que remete directamente para um dos sistemas que nela coexistem.
O art. 20º CC só se refere à remissão feita pelo elemento de conexão nacionalidade. Não responde, por exemplo, à questão saber qual a lei reguladora do estatuto pessoal de um apátrida com residência habitual em Londres mas que é considerado domiciliado na Escócia.
Como proceder quando o elemento de conexão seja a residência habitual, o domicílio, o lugar da celebração, o lugar do delito, o lugar da situação da coisa, etc?.
Há duas posições.
Para Ferrer Correia entende que quando o elemento de conexão aponta directamente para determinado lugar no espaço será competente o sistema em vigor neste lugar.
Isabel de Magalhães Collaço defende que a remissão da norma de conflitos é feita, em princípio, para o ordenamento do Estado soberano.
A segunda posição parece-me de preferir.

B) Como determinar, de entre os sistemas que vigoram no ordenamento jurídico complexo, o aplicável?

Os princípios que orientam a determinação do sistema aplicável, dentro do ordenamento complexo, são dois:
- pertence ao ordenamento jurídico complexo resolver os conflitos de leis internos e, por isso, determinar qual o sistema interno aplicável;
- se, porém, o ordenamento complexo não resolver o problema, deve aplicar-se de entre os sistemas que vigoram no âmbito do ordenamento complexo, o que tem uma conexão mais estreita com a situação a regular.
Vejamos como estes princípios se concretizam quando a remissão para o ordenamento jurídico complexo é feito pelo elemento de conexão nacionalidade.
Comece-se pelos ordenamentos complexos de base territorial.
Em conformidade com o primeiro princípio, o nº1 do art. 20º CC determina que pertence ao ordenamento complexo ficar o sistema interno aplicável.
Na falta de Direito Interlocal unificado, o nº 2 do art. 20º presume analogia com o DIP e prescreve o recurso ao DIP unificado.
E se também não houver DIP unificado? O nº2 do art. 20º manda atender à lei da residência habitual.
Esta parte do preceito suscita divergências de interpretação.
Para Isabel de Magalhães Collaço só releva a residência habitual dentro do Estado da nacionalidade.
Para a Escola de Coimbra aplica-se a lei da residência habitual mesmo que esta se situe fora do Estado da nacionalidade.
Para Isabel de Magalhães Collaço há uma lacuna descoberta através de interpretação restritiva do art. 20º/2 in fine. A função deste preceito é indicar o sistema aplicável de entre os que integram o ordenamento complexo. Como este preceito não fornece um critério para determinar o sistema aplicável quando a residência habitual se situa fora do Estado da nacionalidade, surge uma lacuna. Esta lacuna deve ser integrada com recurso ao princípio da conexão mais estreita.
Creio ser este o melhor entendimento.
Por conseguinte, em matéria de estatuto pessoal, devemos aplicar, de entre os sistemas que integram o ordenamento complexo, aquele com que a pessoa está mais ligada. Neste sentido também pode invocar-se a analogia com o disposto no art. 28º da Lei da Nacionalidade, relativo ao concurso de nacionalidades.
Para os ordenamentos complexos de base pessoal o art. 20º/3 também consagra o princípio de que pertence ao ordenamento complexo determinar o sistema pessoal competente.
Assim, são aplicáveis as normas de Direito Interpessoal da ordem jurídica designada, incluindo tanto as normas de conflitos interpessoais como as normas de Direito material como, por exemplo, as que regulam o casamento entre pessoas de religião diferente.
Passe-se agora à determinação do sistema aplicável quando a remissão para o ordenamento complexo é operado por um elemento de conexão que não seja a nacionalidade. Este caso não é contemplado pelo art. 20º razão por que, seguindo-se o entendimento de Isabel de Magalhães Collaço, há uma lacuna.
Esta lacuna deve ser integrada por aplicação analógica do art. 20º. Quer isto dizer que, no caso de remissão para um ordenamento complexo de base territorial de deve sempre atender ao Direito Interlocal e ao DIP unificados de que o ordenamento complexo disponha.
Por exemplo, ao estatuto pessoal de um apátrida com residência habitual num Estado com ordem jurídica complexa, que dispõe de Direito Interlocal unificado, é aplicável o sistema local que for indicado por este Direito Interlocal.
Como proceder se não houver Direito Interlocal nem DIP unificados? Nestes casos há que entender a remissão operada pela norma de conflitos como uma remissão para o sistema local.
No caso de remissão para um ordenamento complexo de base pessoal operada por um elemento de conexão que não seja a nacionalidade deve sempre atender-se, por aplicação analógica do art. 20º/3 CC, às normas de Direito Interpessoal da ordem jurídica designada. Na falta de normas de Direito Interpessoal que resolvem o problema deve ser aplicado o sistema com o qual a situação a regular tem uma conexão mais estreita.

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