terça-feira, 4 de janeiro de 2011

fraude a lei

Caracterização da figura

A fraude à lei é reconhecida como um instituto jurídico que integra a teoria geral do Direito em alguns sistemas. No Direito português o ponto é controverso.
O problema da fraude à lei em Direito privado material surge-nos principalmente no domínio dos negócios jurídicos, quando os sujeitos procuram tornear uma proibição legal através da utilização de um tipo negocial não proibido. Para quem admite a autonomia da fraude à lei esta apresenta-se, então, como uma violação indirecta de uma norma proibitiva.
No Direito de Conflitos Internacional Privado trata-se geralmente de alcançar o resultado que a norma proibitiva visa evitar, mas a manobra defraudatória consiste no afastamento da lei que contém essa norma proibitiva, na “fuga de uma ordem jurídica para outra”. Mas também é concebível a defraudação de normas imperativas não proibitivas (por exemplo, as que estabeleçam requisitos de forma de negócios jurídicos) através do afastamento da lei que as contém.
Um importante sector da doutrina menos recente encarava a fraude à lei como um caso particular da ordem pública internacional. Hoje tende-se a estabelecer uma clara distinção entre os dois institutos: na ordem pública internacional está em causa a compatibilidade do resultado a que conduz a aplicação da lei está em causa o afastamento da lei normalmente competente e o desrespeito da norma imperativa nela contida, ainda que o Direito do foro não contenha uma norma equivalente.
Quanto à tipologia da fraude à lei em Direito de Conflitos podemos distinguir a manipulação do elemento de conexão e a internacionalização fictícia de uma situação interna.
Os elementos da fraude são dois: um elemento objectivo e elemento subjectivo.
Decorre do já exposto que o elemento objectivo consiste na manipulação com êxito do elemento de conexão ou na internacionalização fictícia de uma situação interna.
Para que se verifique a manipulação com êxito do elemento de conexão tem de haver, em primeiro lugar, uma manobra contra a lei normalmente aplicável.
Em suma, a fraude à lei em Direito de Conflitos pressupõe que haja uma norma material defraudada mas tutela a justiça da conexão e não a justiça material.
A manipulação tem de ter êxito, isto é, tem de desencadear o chamamento de uma lei diferente.
O elemento subjectivo, ou volitivo, consiste na vontade de afastar a aplicação de uma norma imperativa que seria normalmente aplicável. È necessário dolo, não há fraude por negligência.
O dolo incide sobre a modelação do conteúdo concreto do elemento de conexão ou sobre a internacionalização fictícia da situação interna.
Este elemento subjectivo tem geralmente de ser inferido dos factos, com base em juízos de probabilidade fundados em regras de experiência.
Importa referir casos em que o legislador qualifica o elemento de conexão de modo a evitar ou dificultar a fraude. Fala-se, a este respeito, de medidas preventivas da fraude.
Assim, no art. 33º/1 CC o legislador manda atender à sede principal e efectiva da administração da pessoa colectiva.
Assim também em certos casos de imobilização do elemento de conexão em que se fixa definitivamente o momento da sua concretização. Por exemplo, no art. 55º/2 quando determina que em caso de mudança de lei competente na constância do matrimónio só pode fundamentar a separação ou o divórcio algum facto relevante ao tempo da sua verificação.

● A sanção da fraude

Quanto á sanção da fraude existem duas posições. Uma posição, desenvolvida pela jurisprudência francesa e entre nós adoptada por Fernando Olavo, seguindo o princípio fraus omnia corrumpit, considera que todos os actos integrados no processo fraudulento, incluindo, por exemplo, a própria naturalização obtida no estrangeiro, são nulos ou para todos os efeitos inoperantes.
Outra posição, aceite na doutrina portuguesa mais recente, assinala que o Estado do foro não pode declarar inválida ou nula a aquisição de uma nacionalidade estrangeira. O que o Direito de Conflitos do foro pode fazer é recusar a essa naturalização qualquer efeito na aplicação da norma de conflitos.
O caminho seguido pelo legislador, no art. 21º CC, vai neste segundo sentido.
Do texto do art. 21º decorre claramente que a sanção da fraude à lei em Direito Internacional Privado se confina àquilo que respeite à “aplicação das normas conflitos”.
Irrelevante é a manipulação ou a internacionalização, não os actos praticados. Por exemplo, se um português se naturaliza no Reino Unido com o intuito de afastar as normas sobre sucessão legitimária da lei portuguesa, e fez testamento em que deixa todos os seus bens a um amigo, o testamento não é irrelevante. A sanção da fraude consiste antes na aplicação da lei portuguesa, que obriga á redução da deixa testamentária por inoficiosidade.
Hoje é geralmente aceite que a fraude à lei estrangeira também deve ser sancionada. Outra questão é a de saber se no testamento da fraude à lei estrangeira se deve ter em conta a posição da lei defraudada. Esta questão divide a doutrina portuguesa. Ferrer Correia e Baptista Machado não diferenciam entre a sanção da fraude à lei do foro e a sanção da fraude à lei estrangeira. Isabel de Magalhães Collaço enquanto a fraude à lei do foro é sempre sancionada a fraude à lei estrangeira só é sancionada em dois casos:
- se a lei estrangeira defraudada também sanciona a fraude;
- se embora a lei estrangeira defraudada não sancione a fraude este em causa, na perspectiva do DIP do foro, um princípio do mínimo ético nas relações internacionais, que não se conforma com o desrespeito da proibição contida na lei normalmente competente.
Em minha opinião, a fraude à lei estrangeira que não reaja à fraude deve ser sancionada, excepcionalmente, quando seja eticamente intolerável à face do Directo de Conflitos português.

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